Boi-Cavalo (Lisboa)

Pé ante pé, sem grandes alaridos, o conceito néo-bistrot tem surgido na restauração de Lisboa com alguns exemplos de sucesso. Jovens cozinheiros, muitos deles que trabalharam com reconhecidos chefs, optam por se aventurar a solo, em projectos originais, onde possam expressar sem cedências toda a sua criatividade. Quase sempre em espaços alternativos, como antigas padarias, ou talhos, ou qualquer outra coisa que permita fugir à especulação que o crescimento do turismo trouxe à Lisboa actual. Tudo conta para baixar o custo final da oferta. O objectivo é tornar acessível ao maior numero de pessoas possível, uma cozinha criativa e de autor que muitas vezes fica vedada pelos elevados preços praticados.

Este Boi-Cavalo cabe perfeitamente nesta definição. Um projecto original de Hugo Brito e Pedro Duarte (a dupla do extinto Harlem, no Cais do Sodré), que no espaço de um antigo talho em Alfama, propõe-se, através da sua cozinha, pegar em sabores tradicionais e reinventá-los com muita irreverência e criatividade. Há cerca de um ano Pedro Duarte deixou o projecto e hoje a cozinha é liderada apenas por Hugo Brito. As críticas têm sido óptimas, o que também contribuiu para aumentar as expectativas para este jantar de dia de semana, onde encontrei a sala praticamente cheia. Ir de carro é uma loucura que não aconselho, ainda para mais no momento que meia Baixa de Lisboa está em obras. Fica o alerta.

Chegados, encontramos um espaço sem grandes pormenores decorativos, com paredes em mármore, chão em mosaico antigo e mobiliário simples em madeira. A cozinha ao fundo é aberta para a sala e pode ser visitada numa ida à casa de banho. O ambiente é marcado por muitos turistas e pelo rock que sai das colunas (onde se inclui algumas boas malhas de Britpop). Antes de iniciarmos a refeição foi-nos questionado se existiam algumas restrições alimentares, já que o menu é fixo, algo que nos foi comunicado no momento da reserva por telefone. Pelo que percebi, deixou de haver escolha à carta e agora servem-se apenas menus de degustação.

Feito o enquadramento e as apresentações, vamos lá então dar ao dente…

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Tudo começa com um croquete de caracóis que chega em cima de um puré de ervilhas cruas, tudo polvilhado com aneto. Um primeiro prato que marca desde logo a posição da cozinha e transmite que aqui não há lugar a preconceitos. A criatividade é soberana. O resultado, apesar das nossas referências mentais terem sido apanhadas de surpresa e ainda se estarem a reencontrar, é bom. O sabor dos caracóis está lá e enquadra-se bem no conjunto.
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De seguida a sardinha braseada com mandioca e salada de chouriço. Um prato muito bonito, que até tinha um bom contraste de sabores e um agradável travo a limão, mas que foi arrasado pela quantidade de espinhas que o filete trazia. Um percalço que comprometeu o prato.
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O prato seguinte trazia o nome de “Sopa Alentejana” mas não o compreendi. Nem ao nome. Um caldo sem grande sabor, espevitado pelo torrado das amêndoas e um travo a óleo de trufa. Achei um conjunto muito plano, que necessitava de maior equilibro entre o caldo e os restantes sabores.
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O menu de degustação de cinco pratos foi enriquecido por algumas surpresas que chegavam pelo meio. Esta foi uma delas. Feijoca com dobrada, peixe espada, tripa frita e rebentos de coentro. Um quarteto improvável que até resulta bem, tivesse o molho da feijoca um pouco menos de sal e estávamos perante um dos favoritos da noite.
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Bao com moelas e chucrute, o prato favorito da noite. O conforto das moelas era espevitado pela acidez da couve fermentada e o pão a vapor (bao, de origem chinesa) abraçava tudo com encanto. Muito bom.
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Lombo de porco com puré de batata doce e molho de fígado com camarão. Por cima vinha adornado por uma espuma de rúcula que além de bonita trazia frescura e contraste ao prato. Tenra a carne e bem conseguido o equilíbrio de sabores.
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Outra surpresa. Um prato de refrescantes e carnudas cerejas do Fundão. A época da cereja estava a começar e Hugo Brito não resistiu a servir estes maravilhosos exemplares aos seus clientes.
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Para terminar, outro dos momentos altos da refeição. Sopa dourada com gelado de toucinho, puré de nêsperas e iogurte desidratado. Doce, azedo, salgado, um contraste de sabores e texturas que funciona na perfeição, muito bom.

Finda a refeição, e tendo em conta as expectativas que trazia (sempre importantes nestas situações), não posso dizer que fiquei maravilhado. Houve momentos muito bons (o bao e a sobremesa), outros interessantes (o croquete, a feijoca e o lombo de porco), mas outros que não resultaram tão bem (a sardinha e a sopa alentejana). Agradar a todos não é fácil, já o sabemos, ainda para mais com um menu de degustação tão arriscado, no entanto, e pelos relatos a que tive acesso sobre o Boi-Cavalo, fiquei com a sensação que não apanhei a cozinha na noite mais inspirada.

Resta uma palavra para o serviço. Bom o de sala, descontraído mas eficiente, com uma apresentação cuidada do menu (cujos pratos foram chegando a boa cadência). A deixar muito a desejar, o de vinhos. Não pelo serviço em si, que é correcto e em copos decentes, mas essencialmente pelos preços praticados. A opção mais barata da carta, curta, mas com opções bem interessantes, é o Quinta das Bágeiras Branco (19€). Bem sei que Alfama se tornou numa das zonas mais turísticas da capital, e isso paga-se, mas estes preços num restaurante deste segmento, que aposta no despojamento de tudo para dar ênfase à comida, são um absurdo.

Para terminar, e em jeito de conclusão, fica a sensação que podia ter sido melhor esta primeira visita ao Boi-Cavalo. Merece no entanto, uma cozinha tão corajosa e arriscada (e isso deve ser relevado), uma segunda oportunidade. Com água a acompanhar, claro.

 

Boi-Cavalo
Rua do Vigário 70B, Lisboa
Tel: 218 871 653 / 938 752 355
Só jantares. Fecha às segundas.
Preço médio sem vinho, 30€.

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