Leopold (Lisboa)

Criatividade sem limites na Mouraria.

Leopold

Uma mesa despida, um garfo e um copo de água (o copo de vinho já chegou depois), é desta forma que somos recebidos no Leopold. Um minimalismo desconcertante que foi o mote para uma das melhores refeições que fiz nos últimos tempos, segue-se o relato.

Leopold - Alheira com Tapioca
Alheira com Tapioca. O travo ligeiramente ácido da alheira contrastava muito bem com o sabor mais doce da tapioca cozinhada em vinho do porto, tudo bem equilibrado pela textura das beldroegas. Um começo entusiasmante.

Leopold - Legumes na Terra

Legumes na Terra. Cenouras baby, Espinafres turcos, Beterraba, tudo plantado num canteiro de terra de alfarroba e cacau, espevitado pelo tempero da pimenta preta. O puré de nabo (divinal no contraste com a flor de sal) e o saboroso miso branco compunham um ramalhete de luxo. Produto e técnica, estética e sabor, simplicidade e emoção… Uma delícia.

Leopold - Bife dos Açores com Legumes
Bife dos Açores com Legumes. O bife da vazia, cozinhado em vácuo e depois braseado, vem acompanhado por Manteiga de Azeitão, Rúcula, Rabanete, Pickle de Pêra (feito no restaurante, delicioso, que dá grande vivacidade ao prato), tudo temperado por um apetitoso Gel de Soja. Um prato muito bem conseguido, executado na perfeição, ainda mais notável quando confrontado com as limitações técnicas do espaço. Criatividade sem limites na Mouraria.
Leopold - Banana com Queijo
Banana e Queijo de São Jorge. Banana da Madeira em puré, queijo de São Jorge e uma areia de biscoito de canela. Uma sobremesa deliciosa, servida num prato muito bonito, num contraste de sabores, temperaturas e texturas, que fechou com chave de ouro a refeição.

É necessário uma coragem imensa para trazer um projecto desta natureza a Lisboa. Na cidade do prato cheio, dos molhos, das batatas com arroz, das modas à volta dos hambúrgueres e dos neo petiscos, arriscar numa cozinha tão desconcertante de simples como entusiasmante de complexidade, com produtos tão nossos, interpretados em inspiradas combinações, com a ajuda de técnicas precisas e delicadas, é fazer desta uma aventura notável de audácia e querer.

Ainda para mais quando estamos a falar de um espaço exíguo, de cerca de 20m2, apenas com 4 mesas, sem saída de fumos, o que obriga à não utilização de lume na confeccção (tudo é cozinhado num forno eléctrico e numa maquina de vácuo a baixa temperatura), inserido num bairro típico mal amado (por enquanto) onde não há estacionamento, é elevar o risco a um patamar estratosférico. Mas é tudo isto que alimenta a experiência de jantar no Leopold, quebrar com todos e quaisquer preconceitos, centrando na refeição a responsabilidade de secundar tudo o que gira à sua volta.

Nunca tinha ouvido falar no Leopold, foi uma novidade absoluta para mim quando o descobri nesta publicação do blog Mesa Marcada. Fiquei cheio de curiosidade e não descansei enquanto não experimentei, o que aconteceu num jantar de quinta-feira onde encontrei a sala completa (são apenas quatro mesas, relembro). A boa impressão começou logo na reserva, que fiz via email e não esperei mais de trinta minutos a ter a resposta de confirmação.

Chegar ao restaurante é muito fácil, basta estacionar no Parque do Chão do Loureiro e ficamos a 100mts do mesmo. Chegados ao local deparamos com um espaço pequeno, bonito, de decoração simples e sóbria, onde impera o balcão vintage de mármore que transitou da antiga padaria que funcionava no local. A cozinha está mesmo ali, à vista de todos, onde Tiago Feio (ex Largo), com uma serenidade para lá de zen, vai deixando ver as preparações dos nossos pratos. Nas mesas, é a sua mulher Ana Cachaço que nos acolhe e nos vai descrevendo a viagem através desta inesperada aventura.

Uma aventura que, toda ela, pisca o olho à influencia da nova cozinha nórdica, a nova vaga naturalista que restaurantes como o Noma ou o Faviken colocaram nas bocas do mundo. Os produtos autóctones, cozinhados o menos possível, quando não crus, o respeito pela sazonalidade dos alimentos e as suas características nutricionais e a utilização de ingredientes com baixo teor de gordura (muitos vegetais), são influencias de uma cozinha que tem inspirado cozinheiros em todo o mundo. Tiago Feio vai beber dessa água, traduzindo-a com grande sensibilidade para a nossa realidade. Uma cozinha de precisão e minúcia, com pontos de cozedura irrepreensíveis, para um resultado muito conseguido.

Última palavra para o vinho. Carta curta mas com boas opções. O Luis Pato Vinhas Velhas Branco 2013 (17€) acompanhou toda a refeição e mostrou grande aptidão para a coisa. Os preços são justos e comedidos e os copos são bons mas não têm pé, o que deixará sempre um wine geek a olhar de soslaio.

Admito que o factor surpresa possa ter tido influencia, mas a verdade é que esta primeira incursão no Leopold foi das mais entusiasmantes refeições que fiz nos últimos tempos. Para conferir o mais breve possível.

 

Leopold
Rua de São Cristóvão 27, Lisboa
Tel: 21 886 1697
Email: [email protected]
Só jantares. Fecha Segundas e Terças.
Preço médio sem vinho: 20€ (não tem multibanco)

 

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