Hugo Mendes Lisboa Branco 2016

Já assentou a poeira? Já andam entretidos com outras coisas no vosso insaciável radar vínico? Parece-me a altura ideal para voltar ao Lisboa, o primeiro vinho em nome próprio do Hugo Mendes, que chegou ao nosso mercado como um tremor de terra, a colocar em causa quase tudo o que sabíamos como promover vinhos e as suas convencionais campanhas de marketing.

Já tinha abordado o projecto, hoje volto a ele para me debruçar sobre o vinho.

O Hugo, essencialmente conhecido pelo seu trabalho na Quinta da Murta, desde há muito que é um espirito inquieto no sector do vinho em Portugal. Além da sua condição como enólogo, nunca se coibiu de deixar claras as suas posições sobre a indústria, por vezes controversas, seja no seu blog pessoal, seja nas redes sociais onde mantém uma presença muito activa. Toda esta exposição tem-lhe custado os mais variados anti-corpos, mas o reverso da medalha também lhe trouxe uma legião de seguidores, que se revêm na forma original e saudavelmente louca de fazer passar a sua mensagem.

Foi precisamente com base nesta premissa que assentou o sucesso do projecto Lisboa. Numa fase embrionária do mesmo o Hugo foi deixando escapar algumas pistas do que andava a magicar, abrindo dessa forma a curiosidade a um ecossistema permanentemente sedento de novidades. Mais tarde, já com as ideias mais arrumadas, percebeu que precisava de um empurrão financeiro para colocar esta empreitada em marcha e vai daí, sem medo de falhar, lançou uma campanha de crowdfunding para subsidiar o projecto. Um passo com tanto de audaz como de arriscado, que passava por vender o vinho que ainda não existia a um preço mais amigável. Essa audácia foi premiada com um retombante sucesso, com muitos dos patronos que desde a primeira hora se quiseram associar à causa a assegurar o objectivo proposto em poucos dias.

Durante todo este percurso o Hugo foi envolvendo inteligentemente esta comunidade, ligando-a directamente ao produto, seja na escolha do nome do vinho ou do rótulo, seja na forma como ia deixando escapar estrategicamente pormenores da sua produção, conferindo-lhe dessa forma uma condição de real exclusividade. O vinho ainda não estava no mercado e já era um êxito. O resto da história é o que se sabe. Um sucesso tremendo, com os maiores encómios a sucederem-se nas redes sociais e, superando as melhores expetactivas, uma chuva de generosas notas pelas revistas da especialidade.

Tive a felicidade de ir constatando a evolução deste vinho desde o momento zero e se desde logo ficou evidente que era um vinho que qualquer projecto novo se poderia orgulhar, também tenho de admitir que foi um vinho que ao primeiro contacto ficou um pouco aquem das minhas expectativas. Sabia que o objectivo era fazer um vinho de guarda, que aguentasse bem a passada do tempo, esperava por isso por algo mais duro, mais contido, mais à imagem dos vinhos que o Hugo gosta de fazer, nada me preparou para aquele perfil tão amigável. A delicadeza estava lá, a frescura também, os 11º de álcool mantinham-lhe a leveza, mas faltava-lhe um pouco mais de estrutura, faltava-lhe acima de tudo aquele factor x que fizesse jus a tanta expectativa. Ainda assim o Hugo manteve a sua desde o início, perante estas evidências sempre foi reforçando a ideia que o vinho tinha sido feito para durar muito tempo e que estavamos a provar um vinho acabado de engarrafar. A garrafa iria moldá-lo e o tempo iria fazer o seu trabalho.

Ao longo destes últimos tempos provei-o amíude, sempre fora de casa, a maioria das vezes pelo meio de risadas em que os encontros de amigos são pródigos e por isso sem lhe dar a atenção merecida. Mas ainda assim foi dando para perceber que o vinho estava melhor e que ia evoluindo favoravelmente, no tal sentido pretendido pelo produtor. Há dias, e depois de algum tempo sem o provar, na tranquilidade de um jantar caseiro, decidi abrir uma garrafa para o apreciar devidamente. E posso dizer que tive uma boa supresa. Aquelas notas florais mais enjoativas esbatiam-se agora com o lado fresco dos citrinos. A boca ganhou volume, continua a ser curta, mas tem agora uma untuosidade que, aliada à acidez muito bem proporcionada, resulta num conjunto elegante e francamente prazeroso.

Bebi-o em dois momentos. Primeiro a acompanhar uma cara de bacalhau, temperada unicamente com azeite e uma pitada de pimenta preta moída, onde deu imenso prazer, sem nunca vacilar ao lado mais gelatinoso do prato e depois, no dia seguinte, após ter dormido com a rolha original no frigorífico, com uma entrada de humus com pão torrado, onde esteve como peixe na água. Pela primeira vez pude dizer que adorei o vinho. Deu-me um prazer como nunca me tinha dado até aqui. Bem sabemos que estas coisas de esperar pelo vinho tem que se lhe diga, e mesmo com muitos exemplos de que essa é uma premissa para levar a sério, continuamos a deixar-nos levar por aquele ímpeto de querer tudo para ontem.

Hugo Mendes Lisboa Branco 2016
Produzido por Hugo Mendes em Alenquer.
Lote de Arinto e Fernão Pires.
Enologia de Hugo Mendes.
11º de volume de alcool
Sem estágio em barrica.
Cerca de 15€ em garrafeiras.
16,5 pontos

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